O Brasil recicla menos de um quarto dos resíduos da construção civil, apesar de ter capacidade técnica e estrutura instalada para multiplicar esse volume.
Segundo dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), o país gera cerca de 48 milhões de toneladas de entulho por ano, o que representa até 60% dos resíduos sólidos urbanos, mas apenas 10 milhões de toneladas são efetivamente reaproveitadas — cerca de 21% do total.
Setor estratégico e desafios econômicos
De acordo com o pesquisador Laerte Scavavacca Jr., da Embrapa Meio Ambiente, o setor da construção civil, responsável por 10% do PIB e 15% dos empregos formais, enfrenta custos adicionais de 10% a 30% nas obras devido à má gestão dos resíduos.
Cada R$ 1 investido em novas habitações gera R$ 2,46 em retorno econômico e cria mais de 18 empregos diretos, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Apesar do impacto positivo, 45% dos resíduos ainda são descartados de forma irregular, em áreas não licenciadas.
Legislação robusta, mas aplicação desigual
O arcabouço legal para o gerenciamento dos resíduos da construção civil é considerado abrangente. A Resolução Conama nº 307/2002, complementada pela nº 469/2015, define diretrizes de gestão e destinação dos RCC.
Já a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) instituiu metas de redução e o princípio da responsabilidade compartilhada entre poder público, empresas e consumidores.
Na prática, porém, a falta de fiscalização e de indicadores nacionais compromete o alcance das metas.
Potencial técnico ainda pouco explorado
Scavavacca explica que os resíduos da construção são formados principalmente por concreto, argamassa, cerâmicas e tijolos, materiais inertes com alto potencial de reaproveitamento. A principal rota tecnológica é a produção de agregados reciclados (AR), usados em pavimentação, bases e sub-bases de rodovias, blocos e pisos.
Estima-se que 70% a 85% dos resíduos reciclados sejam aplicados em obras de infraestrutura, 10% a 20% em artefatos de cimento e até 10% em aplicações especiais, como concretos leves e muros de contenção.
Desigualdade regional e limitações de mercado
A região Sudeste concentra 65% das cerca de 300 usinas de reciclagem de RCC no país, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda assim, a taxa média regional é de apenas 20%.
Entre os principais entraves estão os custos logísticos elevados, a falta de escala das usinas e a baixa aceitação dos agregados reciclados pelo mercado da construção.
Caminhos para uma economia circular no setor
Estudos recentes buscam novas aplicações tecnológicas, como o uso de resíduos em geossintéticos, asfalto-borracha e concretos estruturais de baixo teor, de acordo com normas como a NBR 15116. Uma tendência é o uso de usinas móveis próximas às obras, que reduzem custos de transporte e emissões de dióxido de carbono.
“Para que o país avance na economia circular do setor, especialistas recomendam cinco ações prioritárias: fortalecer a aplicação das resoluções do Conama, criar políticas de compras públicas que priorizem materiais reciclados, incentivar plantas móveis regionais, padronizar certificações e ampliar pesquisas sobre novos materiais”, afirma Scavavacca.
Segundo o pesquisador, “a reciclagem de RCC no Brasil tem potencial para reduzir significativamente o consumo de recursos naturais e os impactos ambientais da disposição inadequada. Mas, para transformar esse potencial em resultados concretos, o país precisa alinhar políticas públicas, inovação tecnológica e incentivos econômicos que tornem o reaproveitamento uma prática estrutural da construção civil”.












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