Mensagens em telefone de advogado assassinado ligam o nome de Andresson Gonçalves a uma série de denúncias, inclusive crimes de colarinho branco
Na segunda reportagem da série sobre a Fazenda Vitória do Araguaia, em Porto Alegre do Norte (MT), o foco se volta para uma figura que vem ganhando destaque nos noticiários – e não por boas razões. Preso desde novembro de 2024, o lobista Andresson Gonçalves é apontado como peça-chave em um complexo quebra-cabeça de denúncias, suspeitas e investigações que colocam em xeque a integridade de setores do Judiciário.
No caso da Fazenda Vitória do Araguaia, Andresson aparece como comprador formal de uma grande área rural – mas o negócio levanta sérias dúvidas. A escritura da fazenda, por exemplo, foi firmada por um valor pelo menos 20 vezes inferior ao preço de mercado praticado na região, conforme avaliações de especialistas. Mas a situação pode ser ainda pior, uma vez que há rumores de que ele sequer tenha desembolsado qualquer quantia pela aquisição.
E, para completar o enredo, no meio de tudo, entre outros, figura também o nome de Adenilson da Silva Melo, procurador da Agropastoril Vitória do Araguaia S.A. – e que também aparece como signatário em outros atos públicos e judiciais relacionados ao caso –, que lavrou a escritura pública registrada em 30/07/2021, em favor de Andreson de Oliveira Gonçalves e Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves. O documento formaliza a venda de 10.891,5 hectares de terras rurais por um valor declarado de R$ 2,5 milhões, enquanto corretores do mercado local estimam que o valor de mercado mínimo para uma área de quase 11 mil hectares seria de R$ 100 milhões (aproximadamente R$ 10 mil por hectare), evidenciando um abismo entre o valor declarado e o real valor de mercado. Essa disparidade configura claro indício de subfaturamento.
Ademais, recaiu sobre a mesma área uma duplicidade de mandados de reintegração de posse – um de 1999, cumprido pelo oficial de justiça Aldenor Silva Setúbal, e outro expedido em 2021, executado por oficiais distintos de forma lacônica e com indícios de conhecimento prévio da decisão por parte dos executores, até negociando áreas para Adenilson. Essa circunstância gerou contradição e paradoxo jurídico, caracterizando um novo “esbulho” que foge aos olhos das pessoas de boa-fé e subverte a verdade.
Esses fatos ocorrem em paralelo a investigações da Polícia Federal envolvendo o comprador, Andreson de Oliveira Gonçalves, sobre quem são apontados esquemas de corrupção, manipulação de decisões judiciais e uso de laranjas– conforme revelado por reportagem do portal GC Notícias e outros veículos (veja.abril.com.brgazetadopovo.com.br) –, sugerindo que as irregularidades na transação e na execução judicial não são episódios isolados, mas partes de uma estratégia fraudulenta mais ampla.
A transação levanta suspeitas de ocultação patrimonial e uso de “laranjas” – especialmente considerando o contexto judicial e criminal em que Andresson está envolvido. Em meio às investigações, ele e sua esposa, Mirian Ribeiro, surgem como operadores de um esquema com múltiplas camadas: falsificação documental, intermediação de decisões judiciais e movimentações financeiras irregulares.
Várzea Grande é ainda cenário de um homicídio que se torna um ápice de todo o caso e escancara sombrios bastidores do poder.
O nome de Andresson ganhou ainda mais notoriedade após o episódio do podcast UOL Prime, apresentado por Fernando Toledo, no qual o jornalista Guterres Talento detalha o envolvimento do lobista em um escândalo que se espalha como uma mancha pelo Judiciário. O episódio, transmitido no dia 1º de maio, revelou a complexidade da rede de favorecimentos judiciais – e como ela chegou ao STJ.
A engrenagem do esquema
As investigações revelam um modus operandi que inclui venda de decisões judiciais, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ); falsificação de credenciais da OAB; participação da esposa como fachada jurídica em contratos milionários; acesso prévio a minutas de decisões ainda não publicadas por ministros; lavagem de dinheiro por meio de empresas de fachada e pessoas físicas usadas como “laranjas” e compras em espécie de alto valor – como relógios Rolex.
Conforme relatado pela Polícia Federal, o que antes parecia um caso isolado de conflito fundiário e violência em Mato Grosso revelou-se um dos esquemas de corrupção mais sofisticados e complexos que já passaram pelas mãos dos investigadores.
A escalada dos fatos e um crime
Um dos pontos de partida do escândalo foi o assassinato do advogado Roberto Zampieri, morto a tiros em frente ao próprio escritório em Cuiabá (MT), em dezembro de 2023. O crime revelou indícios de um esquema de vazamento de decisões judiciais diretamente de dentro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — a segunda corte mais importante do país.
A polícia descartou a hipótese de assalto: imagens mostram o executor esperando a vítima entrar no carro antes de atirar.
Zampieri atuava em disputas milionárias por terras e já era alvo de suspeitas por supostamente comprar decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Durante as investigações, a Polícia Civil e o Ministério Público apreenderam seu celular, que continha trocas de mensagens comprometedoras com um desembargador — que teria recebido até barras de ouro.
A história foi discutida pelo jornalista Aguirre Talento no podcast All Prime, e envolve o lobista Andresson de Oliveira Gonçalves, que se passava por advogado e teria atuado como elo entre empresários e membros do Judiciário.
Diversas mensagens obtidas pela Polícia Federal, presentes no celular de Zampieri, indicam que ele antecipava decisões ainda não assinadas por ministros do STJ. “Parece um faroeste caboclo. Tem armas, tem corrupção, tem lobbies por gabinetes brasilienses e tem assassinato”, resume o apresentador José Roberto de Toledo.
Como magistrados estaduais só podem ser investigados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o caso migrou para Brasília — e foi aí que tudo escalou.
O “rapaz de Brasília” e o acesso ao STJ
Entre as mensagens analisadas pelo CNJ, chamou atenção um contato identificado como “Anderson Brasília” (com o nome propositalmente alterado). Era Andresson Gonçalves, que, segundo os investigadores, tinha acesso privilegiado a documentos e minutas de decisões do STJ, mesmo sem nunca ter exercido a advocacia legalmente.
Ele usava uma carteira falsificada da OAB, obtida via um esquema fraudulento no Pará. Apesar disso, conversava com desembargadores e advogados como se fosse um operador jurídico experiente. “Aquela pessoa citava nomes de ministros e compartilhava documentos com a minuta antecipada de decisões do STJ”, contou Aguirre Talento.
Clientes, contratos e movimentação suspeita
O suposto esquema se estruturava por meio de contratos formais de advocacia, mas os valores envolvidos chamaram atenção. Os pagamentos eram feitos, na maioria das vezes, para a esposa de Andresson, a advogada Miriam Ribeiro, que tem registro ativo na OAB.
A movimentação financeira, de acordo com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), foi incompatível com a estrutura de seu pequeno escritório no interior do Mato Grosso. De acordo com o podcast, um dos pagamentos rastreados partiu de uma empresa do grupo JBS, envolvendo dinheiro vivo e até compra de relógios Rolex. “Ela passou a receber valores muito altos para uma advogada com um pequeno escritório”, disse Aguirre.
Até o momento, nenhum ministro do STJ foi formalmente acusado. No entanto, o caso levanta uma série de questionamentos sobre a segurança de informações dentro da corte e a eventual participação de servidores ou auxiliares no vazamento de decisões.
O STJ não se manifestou publicamente sobre o conteúdo das investigações, que seguem sob sigilo na Polícia Federal e no CNJ.
Um escândalo ainda em curso
O enredo que começou com uma execução em Cuiabá agora expõe os bastidores de uma possível rede de tráfico de influência. A cada nova revelação, mais detalhes sobre como decisões podem ter sido negociadas surgem — com cifras milionárias, nomes de peso e uma rede de favores que chega ao topo da Justiça. “É coisa de filme de Hollywood? Não. É coisa de filme cuiabano-brasiliense”, conclui Toledo.
A fazenda no centro do mapa
A Fazenda Vitória do Araguaia tem 50 mil hectares, se localiza em uma área estratégica de Mato Grosso e é peça central de um imbróglio que mistura interesses fundiários e corrupção sistêmica. A escritura da compra, registrada em nome de Andresson e Mirian, foi usada como justificativa para pedir ingresso em uma ação agrária (autos nº 0018477-04.2019.8.11.0041), o que revela clara tentativa de legitimar a posse do imóvel dentro do Judiciário. Curiosamente, a entrada no processo foi feita não como parte legítima do litígio original, mas como “terceiro interessado” — estratégia jurídica para ganhar poder de influência no resultado da demanda. Essa área tem 10.891,5 ha.
Prisão, recurso e movimentações milionárias
Preso na penitenciária federal de Brasília, Andresson tenta – sem sucesso até agora – converter a prisão preventiva em prisão domiciliar. Até a publicação desta reportagem, três ministros da Primeira Turma do STF (Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Flávio Dino) já haviam votado pela manutenção da prisão. “Há elementos consideráveis indicando que Andresson de Oliveira Gonçalves tinha função decisiva no suposto esquema de venda de decisões judiciais”, escreveu o ministro Zanin.
Ao mesmo tempo, a PF identificou movimentações financeiras de R$ 2,625 milhões feitas por uma empresa de Andresson para a conta de João Batista Silva, seu motorista. Detalhe: João foi beneficiário do auxílio emergencial durante a pandemia. A prática indica uso clássico de laranjas e reforça a suspeita de que empresas e pessoas próximas operavam como canais de lavagem de dinheiro.
Nova fase da operação
Na quinta fase da Operação Sisamnes, deflagrada neste mês de maio de 2025, a PF cumpriu 11 mandados de busca e apreensão em Cuiabá, Primavera do Leste, Várzea Grande, Barueri e São Paulo. O STF autorizou o bloqueio de R$ 20 milhões dos alvos, além de proibir a saída do país. As investigações agora avançam sobre empresas utilizadas para ocultar propinas, casas de câmbio, empresários do agronegócio, operadores financeiros e “laranjas”.
O que esperar de tudo isso, até agora
O caso que começou como um suposto conflito de terra em Mato Grosso já expõe, hoje, as entranhas de um esquema que toca o alto escalão do Judiciário brasileiro. Do assassinato de um advogado à apreensão de conversas com desembargadores, passando por movimentações milionárias, falsidade ideológica e decisões judiciais vendidas, o nome de Andresson de Oliveira Gonçalves ganha cada vez mais protagonismo em diversos casos em curso.
A Polícia Federal continua suas diligências. O Supremo Tribunal Federal mantém o caso sob sigilo. E a sociedade assiste ao desenrolar de uma trama onde a verdade ainda luta para emergir.
A série de reportagens prossegue, pois a natureza e os povos originários também vêm pagando altos preços por todos os fatos envolvendo a Vitória do Araguaia.
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