Situação expõe crise no campo e segurança jurídica em risco. Parlamentar de Mato Grosso fala de “inversão de valores” após reintegração de posse beneficiar lobista Andreson Gonçalves, que foi preso por corrupção; produtores rurais temem efeito dominó
A reintegração de posse da fazenda Vitória do Araguaia, em Porto Alegre do Norte (MT), em favor do lobista Andreson Gonçalves – preso e acusado de integrar esquema de venda de sentenças judiciais – reacende o debate sobre a segurança jurídica no campo. O caso, classificado pelo deputado federal Nelson Barbudo (PL-MT) como “um escândalo”, expõe tensões entre direitos de posseiros históricos e alegações de grilagem apoiadas por decisões judiciais questionáveis.
Em entrevista exclusiva, Barbudo não poupou críticas ao Judiciário: “A Justiça está devolvendo propriedades a figuras envolvidas com corrupção, grilagem e até homicídio, enquanto trata quem produz há décadas como invasor. É uma inversão completa de valores”. O lobista Gonçalves, que alega ser proprietário da área, teve seu nome vinculado à operação que investiga corrupção no Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
O parlamentar destacou que a violação da propriedade rural não se limita a movimentos sociais: “Não é só o MST que invade. Há criminosos se passando por donos de terra, com papéis sujos, tentando expulsar famílias que estão há 40, 50 anos produzindo”. Na Vitória do Araguaia, a disputa envolve 50 mil hectares ocupados por posseiros que afirmam ter documentação regular, enquanto Gonçalves obteve a reintegração via ação judicial.
Barbudo alerta para o risco de o caso virar regra: “Se tiram uma família com base em documentos questionáveis, amanhã fazem isso com qualquer um. Isso é corrupção disfarçada de legalidade”, enfatiza. Ele rebate o discurso ambientalista e indigenista no caso: “Não há disputa por áreas protegidas aqui, mas sim por terra produtiva, com famílias que geram emprego e alimento”, completa.
Produtores da região temem que a decisão abra portas para ações similares. *”É uma sentença que premia quem tem influência, não quem tem direito”*, disse um pecuarista que preferiu não se identificar. Dados do Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat) mostram que 32% dos conflitos agrários no estado em 2023 envolveram alegações de grilagem ou documentos contestáveis.
Barbudo promete pressionar por investigações: “Fui eleito para defender o produtor honesto. Não aceitamos famílias expulsas por criminosos engravatados”. Ele cobrou “urgência para que o Brasil reencontre o caminho da justiça real”.
Enquanto isso, os proprietários da Vitória do Araguaia aguardam recursos judiciais – e o lobista Gonçalves, que estava preso desde 2024 e foi libertado na última semana, mantém os direitos sobre a terra. O caso aguarda decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob os holofotes de uma crise que mistura direito agrário, ameaças à natureza e a vidas e muita corrupção.
A disputa agrária na Fazenda Vitória do Araguaia, em Porto Alegre do Norte-MT, se arrasta há décadas, e atualmente se entrelaça com uma das principais investigações de corrupção do país, a Operação Sisamnes. Um dos nomes sobre o qual as suspeitas mais se destacam é o do lobista Andreson Gonçalves.
Dispostas em aproximadamente 50 mil hectares, as terras foram reintegradas judicialmente à Agro Pastoril Vitória do Araguaia S.A. em 2021, após decisão definitiva do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, que autorizou a desocupação judicial contra cerca de 550 ocupantes, majoritariamente acusados de grilagem e sem vínculo com o Incra ou reforma agrária.
A mudança de cenário ocorreu em 2021, quando Andreson de Oliveira Gonçalves, um lobista investigado e que estava preso desde novembro de 2024, junto com Mirian R. R. de Mello Gonçalves, formalizou a compra de uma parte da área. O valor por hectare muito inferior ao padrão da região, levantando suspeitas de artifício jurídico para legitimar a posse adquirida judicialmente por outra empresa pouco antes.
Essa aquisição ocorreu após a reintegração de posse, e especialistas ressaltam que tais operações podem configurar conluio para viabilizar ocupação irregular. Grande parte da área envolvida estava registrada via matrículas duplas e resultou em forte litigância contra posseiros tradicionais, inclusive indígenas.
Um dos pontos que mais provocam suspeições sobre a alegada venda da fazenda é o valor declarado na escritura pública da propriedade, que é muito abaixo da média do local. Especialistas consultados pela reportagem alegam que o valor expresso não permitiria, de forma alguma, que tal negociação fosse levada adiante.
As suspeitas em torno da fazenda se misturam ao escândalo judicial no STJ. Andreson, preso desde novembro de 2024 por suspeita de influenciar decisões judiciais em troca de pagamento, foi recentemente beneficiado com prisão domiciliar pelo STF, com base em laudo que mostrou agravamento de sua saúde. Fontes próximas garantem, no entanto, que um processo de delação premiada foi levado adiante.
A proximidade com figuras de Brasília e a capacidade de antecipar decisões judiciais dão ao caso um caráter mais amplo: não se trata somente de disputa agrária, mas de possível trama onde decisões judiciais, posse litigiosa de terra e poder econômico se entrelaçam.
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